Thursday 16 August 2007

A jangada do Médio Oriente

by Paulo Pinto Mascarenhas

Imagine-se que José Saramago, porventura esquecido dos preconceitos ideológicos, reescrevia o livro A Jangada de Pedra e escolhia como tema a complexa situação de Israel no Médio Oriente. No lugar de Portugal a afastar-se da Espanha na Península Ibérica, rumo ao Atlântico, teríamos a nação judaica a separar-se do conturbado Próximo Oriente. Com Jerusalém, Haifa e Telavive a bordo, todo o território entre os Montes Golãs e o Mar Vermelho navegaria ao longo do Mediterrâneo, abandonando a miserável Margem Ocidental e a tumultuosa Faixa de Gaza. Para além de Egipto, Líbano, Síria e Jordânia. Estacionaria, por fim, nas proximidades da Europa.

Se esta nova versão da ficção de Saramago se tornasse realidade, Israel encontrar-se-ia com a sua geografia política natural – o Ocidente – a que sempre pertenceu por democracia e direito próprios. Pela minha curta experiência de sete dias no país, durante o mês de Junho, não me espantaria que a surpresa inicial dos israelitas fosse rapidamente substituída por uma sensação de alívio. Israel poderia desde logo aderir à União Europeia e à NATO. Tendo em conta a natureza democrática do sistema político, o rule of law e os índices de desenvolvimento, seria imediatamente aceite. Setenta e sete por cento da população é graduada pelo ensino universitário e 20 por cento possui outros graus académicos, numa economia de mercado plenamente adaptada à globalização e que pouco se ressente em função de factores domésticos ou de vizinhança.

Para trás ficariam os atentados bombistas e os tiros de snipers palestinianos contra alvos civis, que o poder em Jerusalém procura evitar com a construção de um muro, indesejado por todos mas que já conseguiu reduzir drasticamente o número de vítimas. Longe estaria o caos sangrento da guerra civil entre o Hamas e a Fatah, assim como o lançamento aleatório de rockets Qassam sobre casas e populações civis de Israel.

Distantes ficariam ainda os efeitos negativos da instabilidade económica e social provocada na jangada democrática israelita pelas convulsões sucessivas dos países autocráticos árabes. Sem a única causa que os consegue unir – o inimigo comum judeu – os movimentos e os países fundamentalistas ficariam entregues a si próprios. Israel veria assegurada a sua paz interna, deixando de ser vítima das guerras alheias.

Quem infelizmente mais sofreria – como sofre – seriam as populações palestinianas, tuteladas por lideranças contumazes que beneficiam da cumplicidade objectiva de alguma intelectualidade da esquerda ocidental, como se verificou recentemente na Grã-Bretanha com a absurda proposta de um boicote a Israel. Mas também em Portugal, bastando lembrar o estudo de Esther Mucznik, publicado na última edição da revista Atlântico, sobre os estereótipos anti-semitas e anti-israelitas presentes nos manuais escolares nacionais. Ou ainda a entrevista à académica britânica Bat Ye’Or, onde se comprova o silêncio sobre a ameaça da Jihad, afastada dos livros e dos estudos europeus em nome do politicamente correcto e do multiculturalismo. Apesar de muitos o preferirem ignorar – e se a história da jangada israelita é pura ficção – o Médio Oriente globalizou-se e encontra-se entre nós.